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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sobre interpretação das normas

1 – NOÇÕES DE INTERPRETAÇÃO

A interpretação pode ser conceituada como o processo lógico que procura estabelecer a vontade contida na norma jurídica, a fim de aplicá-la aos casos concretos da vida real. A ciência que se preocupa com a interpretação da lei é a hermenêutica.

A interpretação da lei penal segue as mesmas regras que norteiam a interpretação em geral, aplicável às outras leis. Há, entretanto, algumas particularidades na interpretação da lei penal, que serão a seguir examinadas.

2 – A EXPRESSÃO IN CLARIS NON FIT INTERPRETATIO

Muito se discutia a respeito da necessidade de interpretação quando a norma apresentava-se com suficiente clareza em seu texto, sem obscuridades ou contradições. Nesses casos, entendia-se como desnecessária a interpretação (in claris non fit interpretatio).

Atualmente, contudo, esse entendimento não prevalece.

A doutrina moderna é pacífica no sentido de que a interpretação é indispensável mesmo quanto às normas claríssimas, que não apresentam qualquer obscuridade. Essa a orientação atual: qualquer norma penal, por mais clara seja a sua letra, exige interpretação, que lhe explicite o verdadeiro significado.

3 – INTERPRETAÇÃO DA LEI E A "VONTADE DO LEGISLADOR"

Aspecto muito discutido na doutrina era o seguinte: a interpretação deve buscar alcançar a vontade da lei ou a vontade do legislador?

Atualmente a orientação é no sentido de que a interpretação deve buscar o real sentido da lei, sendo irrelevante, para esse fim, perquirir a chamada vontade do legislador. A vontade inicial do legislador pode não ser a que, após o término da elaboração normativa, tenha prevalecido, objetivamente, no texto da lei.

4 – ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO

4.1 – Quanto ao sujeito que realiza a interpretação

Quanto ao sujeito que realiza a interpretação, temos:

- Interpretação autêntica;

- Interpretação jurisprudencial;

- Interpretação doutrinária.

a) Interpretação autêntica

A interpretação autêntica é a que procede da mesma origem que a lei. A interpretação é realizada pelo próprio sujeito que elaborou o preceito interpretado. A interpretação autêntica possui força obrigatória.

Essa interpretação pode ser contextual ou posterior.

A interpretação autêntica contextual ocorre quando já vem inserida na própria legislação, no próprio texto da lei interpretada. Ex.: o conceito de funcionário público contido no art. 327 do Código Penal (o próprio Código já interpreta a expressão "funcionário público" nele contida).

A interpretação autêntica posterior é aquela realizada por lei posterior, superveniente, que é elaborada para clarear o sentido duvidoso, as incertezas ou obscuridades de uma lei já em vigor.

A chamada "exposição de motivos" (justificativa que acompanha o projeto que deve ser convertido em lei) não é interpretação autêntica, uma vez que emana do autor do projeto-de-lei. Em verdade, a exposição de motivos é exemplo de interpretação doutrinária, pois consubstancia o entendimento do autor do projeto-de-lei.

b) Interpretação jurisprudencial

A interpretação jurisprudencial (ou judicial) emana dos órgãos do Poder Judiciário. São as reiteradas manifestações judiciais sobre um determinado assunto legal, que explicitam a orientação que os juízes e tribunais vêm dando à norma. São exemplos de interpretação judicial as súmulas dos tribunais (STF, STF etc.).

A interpretação jurisprudencial, o chamado precedente judicial, não tem força obrigatória no Brasil. Para cada novo caso concreto, deve o juiz fazer nova apreciação, em face de suas peculiaridades.

Ademais, o juiz não cria o Direito - deve apenas aplicar e animar o preceito legal, com o uso dos métodos gramatical e teleológico, estando impedido, conforme já vimos em aula pretérita, de aplicar a analogia in malam partem.

c) Interpretação doutrinária

A interpretação doutrinária é aquela oriunda do entendimento dado aos dispositivos legais pelos estudiosos, escritores ou comentadores do Direito (communis opinio doctorum). É também conhecida como doutrinal ou científica.

Essa interpretação, também, não tem força obrigatória.

4.2 – Quanto aos meios empregados

Quanto aos meios empregados na interpretação, temos:

- Interpretação gramatical;

- Interpretação lógica ou teleológica.

a) Interpretação gramatical

A interpretação gramatical, literal ou sintática, procura alcançar o sentido da norma examinando o sentido das palavras ou expressões empregadas pelo legislador. Conforme ensina o Prof. Mirabete (Ob. cit., p. 51), examina-se "a ‘letra da lei’, em sua função gramatical, quanto ao seu significado no vernáculo".

Em verdade, a interpretação gramatical deve ser a primeira utilizada pelo intérprete, na busca do significado da lei. Em primeiro lugar, recorre-se ao que dizem as palavras; após, não sendo a simples análise gramatical suficiente, recorre-se à interpretação lógica ou teleológica.

b) Interpretação lógica ou teleológica

A interpretação lógica ou teleológica consiste na indagação da vontade ou intenção objetivada na lei. Mostrando-se insuficiente a interpretação gramatical, faz-se necessário buscar a vontade da lei, por meio de um confronto lógico entre seus dispositivos, bem assim a finalidade do dispositivo, o seu sentido teleológico.

Em verdade, na maioria das vezes, a simples análise gramatical não é suficiente para a determinação da extensão e compreensão da norma, sendo necessária uma pesquisa mais acurada, com vistas a identificar qual a real finalidade de sua elaboração. Nessa interpretação, cabe ao intérprete investigar os motivos que determinaram a elaboração da lei (ratio legis); o fim visado pela lei (vis legis); as circunstâncias do momento em que foi elaborada a lei (occasio legis).

A doutrina aponta os seguintes elementos da interpretação teleológica:

- ratio legis, entendida como a finalidade da norma, identificando-se qual o bem jurídico que visa a proteger (vida, patrimônio, liberdade etc.);

- sistemático, entendido como o cotejo entre o preceito interpretado e as outras normas que regulam o mesmo instituto, ou com o conjunto da legislação e mesmo com os princípios gerais de Direito;

- histórico, que perquire a evolução histórica da norma, estudando a origem da lei, suas modificações etc. (análise das discussões parlamentares no curso do processo legislativo de elaboração da norma, da exposição de motivos etc.);

- Direito comparado, que é o Direito estrangeiro, aplicável em outros países;

- extrapenal, entendido como elemento político-social, significando afirmar que as instituições políticas, as relações entre os cidadãos e as autoridades políticas e administrativas devem influenciar na interpretação da lei;

- extrajurídico, pois há casos em que os conceitos jurídicos não são suficientes para estabelecer a vontade da norma, sendo necessário o exame de elementos extrajurídicos, sejam eles políticos, sociais, psiquiátricos etc. (p. ex., para interpretar o conceito "doença mental", previsto no art. 26 do Código Penal, utiliza-se o intérprete da Psiquiatria).

Finalmente, cabe ressaltar que o intérprete deve aplicar as regras de interpretação de forma integrada, harmonicamente, evitando contradição entre os meios gramatical e teleológico. Em caso de eventual contradição entre as conclusões da interpretação gramatical e da lógica, deve prevalecer esta última, uma vez que, nos termos do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC, "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

4.3 – Quanto ao resultado

Quanto ao resultado alcançado pelo intérprete, temos:

- Interpretação declarativa;

- Interpretação restritiva;

- Interpretação extensiva.

a) Interpretação declarativa

A interpretação declarativa ocorre quando o texto examinado não é ampliado nem restringido, encontrando-se apenas o significado oculto do termo ou expressão utilizados pela lei. Conforme ensina o Prof. Damásio de Jesus, a interpretação é meramente declarativa "quando a eventual dúvida se resolve pela correspondência entre a letra e a vontade da lei, sem conferir à fórmula um sentido mais amplo ou menos estrito".

Ex.: Determina o art. 141, III, do Código Penal, que nos crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) as penas são aumentadas de um terço se o fato é cometido "na presença de várias pessoas". Qual o mínimo exigido: duas ou três?

Deve entender-se que o mínimo é superior a duas, porque sempre que a lei se contenta com duas pessoas di-lo expressamente (art. 150, § 1º; art. 226, I etc.). Assim, não há ampliação ou restrição da norma, uma vez que o texto se refere a "várias pessoas" (exemplo do Prof. Damásio de Jesus).

b) Interpretação restritiva

Ocorre interpretação restritiva quando se reduz o alcance da lei para que se possa encontrar a sua real vontade. Nesse caso, a lei diz mais do que o pretendido pela sua vontade (lex plus scripsit, minus voluit), cabendo à interpretação restringir o alcance de suas palavras até o seu sentido real.

Ex.: Diz o art. 28, I e II, do Código Penal que não excluem a imputabilidade penal a emoção, a paixão ou a embriagues voluntária ou culposa. O dispositivo deve ser interpretado restritivamente, no sentido de serem considerados esses estados quando não patológicos, pois, de outra forma, haveria contradição com o art. 26, caput, do mesmo Código. Se o estado for patológico, aplicar-se-á o art. 26 e não o 28 (exemplo do Prof. Damásio de Jesus).

c) Interpretação extensiva

Ocorre interpretação extensiva quando há necessidade de ampliar o sentido ou alcance da lei. Nesse caso, o texto da lei diz menos do que pretendia dizer (lex minus dixit quam voluit ou lex minus scripsit, plus voluit).

Ex.1: O art. 130 do Código Penal, que define o crime de exposição a contágio de doença venérea, incrimina não só a situação de perigo como também a situação de dano efetivo (não obstante o tipo falar em "expor alguém... a contágio de moléstia venérea", deve ser ampliado para abranger o próprio contágio, o que corresponde à vontade da norma).

Ex.2: O art. 235, ao incriminar a bigamia, deve ser interpretado como abrangendo também a poligamia.

Ex.3: O crime de rapto (art. 219 do Código Penal) abrange não só o meio executivo (remoção) como também a retenção da vítima, não obstante o núcleo do tipo (raptar) significar arrebatar, roubar (os três exemplos são do Prof. Damásio de Jesus).

5 – INTERPRETAÇÃO PROGRESSIVA

Ocorre interpretação progressiva (adaptativa ou evolutiva) quando procura o intérprete adaptar a lei às necessidades e concepções do presente, identificando novas concepções ditadas pelas transformações sociais, científicas, jurídicas ou morais que auxiliem na aplicação da lei penal.

Ocorre, por exemplo, quando se busca o sentido da expressão "perigo de vida" (art. 129, § 1º, inciso II, do Código) diante do progresso da Medicina; da concepção de "doença mental" (art. 26) em face das novas descobertas da Psiquiatria; do que se deve entender por "mulher honesta", tendo em vista a evolução dos costumes etc.

6 – INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA

A interpretação analógica é utilizada quando fórmulas casuísticas inscritas em um dispositivo penal são seguidas de espécies genéricas, abertas. Nesse caso, utiliza-se a analogia (semelhança) para uma correta interpretação destas últimas normas (as genéricas, abertas).

Ex.: O art. 121, § 2º, IV, do Código comina a pena de reclusão de 12 a 30 anos se o homicídio é cometido "à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido".

Anote-se que temos aí uma fórmula casuística ("à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação"), seguida de uma fórmula genérica ("ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido").

Assim, o "outro recurso" mencionado pelo texto só pode ser aquele que, semelhante (análogo) à "traição", à "emboscada", ou à "dissimulação", dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.

São diversos os casos que o Código Penal autoriza o emprego da interpretação analógica: art. 28, II ("substância de efeitos análogos"); art. 71 ("e outras semelhantes"); art. 146 ("qualquer outro meio"); art. 171 ("qualquer outro meio fraudulento") etc.

A interpretação analógica não deve ser confundida com o emprego da analogia.

A interpretação analógica visa a alcançar a vontade da norma por meio da semelhança com fórmulas utilizadas pelo legislador, conforme o exemplo citado acima.

O emprego da analogia constitui técnica de integração da legislação e visa a suprir uma lacuna deixada pelo legislador, aplicando-se a um fato não regulado pela lei uma outra norma penal que disciplina fato semelhante.

7 – O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO NA INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL

Questão muito discutida na doutrina diz respeito à aplicação, em matéria penal, do princípio in dubio pro reo. Como se sabe, esse princípio reza que, havendo dúvida quanto ao alcance da norma penal, deve ser o caso decidido de forma mais favorável ao agente.

Atualmente, a melhor doutrina admite aplicação desse princípio em matéria penal, mas com ressalvas, com abrandamento.

Assim, ensina a doutrina que a aplicação do princípio in dubio pro reo deve ocorrer após criteriosa pesquisa do intérprete sobre o alcance da norma. Em outras palavras: se, diante do caso concreto, houver possibilidade de aplicação de outras interpretações, deve seguir-se a que melhor se conforme à vontade da lei e ao sistema do Código Penal, seja ou não a mais favorável ao réu. Somente quando resultar inútil qualquer processo de interpretação do texto legal é que se deverá aplicar tal princípio.

QUESTÕES SOBRE O ASSUNTO.

1 – Em se tratando de matéria penal, firmou a doutrina o entendimento no sentido de que as leis, por mais claras que sejam, não prescindem de interpretação. Com isso, afastou-se a aplicação, entre nós, da máxima in claris non fit interpretatio. ( )

2 – A interpretação da lei penal tem fundamento em regras específicas, completamente distintas daquelas aplicáveis à interpretação das demais normas jurídicas. ( )

3 – Segundo a concepção moderna, no processo de interpretação deve o intérprete identificar a chamada "vontade do legislador", sendo irrelevante a vontade da lei. ( )

4 – Segundo a melhor doutrina, não é possível, em matéria penal, a aplicação do brocardo in dubio pro reo. ( )

5 – Ocorre a chamada interpretação analógica quando o intérprete busca adaptar a lei penal às necessidades e concepções do presente. ( )

GABARITO: 1 C; 2 E; 3 E; 4 E; 5 E.

Obras Consultadas:

Direito Penal – Volume 1, Parte Geral – Damásio E. de Jesus (Saraiva)

Manual de Direito Penal – Volume 1, Parte Geral – Júlio Fabbrini Mirabete (Atlas)

Princípios Básicos de Direito Penal – Francisco de Assis Toledo (Saraiva)

Sinopses Jurídicas – Direito Penal, Parte Geral – Victor Eduardo Rios Gonçalves (Saraiva)


Fonte

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